Você conhece o Amarildo?

Em 13 de julho, agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), uma força especial criada pelo governo do Rio de Janeiro para combater o tráfico de drogas, prenderam 48 suspeitos na Rocinha, a maior favela do Brasil, com mais de 70 mil moradores. Entre eles, estava Amarildo de Souza, um pedreiro de 43 anos, que morava com sua família naquela comunidade. 

A esposa e os seis filhos de Amarildo nunca mais o viram, e a polícia diz não saber do seu paradeiro. Em uma cidade violenta como o Rio de Janeiro, o caso poderia ter sido apenas mais um exemplo de abuso policial, mas o engajamento dos brasileiros nas redes sociais tornou a pergunta “Cadê o Amarildo?” difícil de ser ignorada pelo governo. 

Usando a ferramenta para medição do volume de buscas Google Trends é possível ver o enorme aumento nas pesquisas que usaram a palavra-chave Amarildo. Em junho, antes do desaparecimento, a palavra tinha 9 pontos no índice de volume de buscas.  O número subiu para 39 em julho e agora atingiu o índice máximo, com 100 pontos. No Twitter, pouco mais de uma semana após o desaparecimento do trabalhador, a hashtag #CadêoAmarildo? estava nas primeiras posições dos Trending Topics. A cada nova notícia sobre o caso, ela volta ao ranking. 

No YouTube, depoimentos dos parentes de Amarildo e de outros moradores das favelas reclamando da violência dos agentes da Unidade de Polícia Pacificadora tiveram dezenas de milhares de exibições. São falas chocantes, com críticas diretas aos governantes e aos jornais e emissoras de televisão, acusados de não mostrarem os problemas das favelas. 

O efeito viral das redes sociais mostrou ao Brasil inteiro o que havia acontecido em uma rua escura da Rocinha e ajudou a indignação do povo transbordar para as ruas. No Rio de Janeiro, manifestantes foram até a casa do governador Sérgio Cabral cobrar uma investigação sobre o desaparecimento. Em São Paulo, os cidadãos tomaram a tradicional Avenida Paulista para protestar contra a violência policial e o descaso das autoridades. O problema local tornou-se nacional e depois global. No momento, o Ministério dos Direitos Humanos, ligado ao Governo Federal, cobra esclarecimentos não apenas dos policiais do Rio de Janeiro como também do governador Cabral e de todos as autoridades envolvidas com a segurança pública na cidade. O caso de Amarildo, mesmo permanecendo sem solução, mostrou o papel fundamental da tecnologia como ferramenta para a liberdade de expressão.

O acesso amplo à informação trazido pelas conexões de baixo custo à internet móvel, a disseminação rápida de vídeos que denunciam abusos usando as redes sociais e o dinamismo dos smartphones na organização dos protestos nas ruas foram essenciais para dar voz aos brasileiros indignados. Mais do que isso, o engajamento social com ajuda da tecnologia mostrou que as próximas gerações poderão mudar o mundo para melhor, com uma velocidade sem precedentes. A transparência será cada vez mais exigida e, com a informação disponível, uma boa campanha de marketing não será o suficiente para ganhar uma eleição. Políticos corruptos ou avessos à democracia deverão ser extintos. 

Mas antes é preciso zelar pelos valores democráticos e assegurar a natureza livre da internet desde já. Na próxima década, a internet terá mais 5 bilhões de novas pessoas conectadas, muitas delas acessando a web pela primeira vez em regiões pobres, com sérios problemas de liberdade de expressão. Eles enfrentarão a opressão violenta de Estados totalitários e o descaso das autoridades. Por isso é importante cobrar soluções para os problemas de censura e pressionar nossos representantes para que a liberdade desfrutada nos países desenvolvidos torne-se um padrão global. 

Hoje tailandeses são proibidos de postar opiniões contrárias ao rei de sua nação, chineses não podem buscar informações sobre sua própria história e mulheres iranianas vão para a cadeia por lutarem por condições de vida mais dignas. Governos repressores no Egito, na Turquia e na Coreia do Norte também impedem o uso pleno da internet usando força desproporcional. Existe no Irã, inclusive, um projeto de isolar os cidadãos em uma espécie de internet fechada, como em uma intranet de empresa, controlada totalmente pelos censores. 

Vivemos em um mundo com diferentes culturas, mas é importante que certos valores essenciais sejam difundidos e reforçados. A liberdade de expressão é um deles. E não há uma melhor maneira de garantir isso do que multiplicando e espalhando opiniões em um ambiente aberto, livre e sem censura. Nos locais onde isso ainda não é possível, é preciso denunciar os abusos e aproveitar o enorme potencial multiplicador da rede para chamar a atenção para os problemas. 

Foi o que os moradores da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, fizeram para mostrar o desaparecimento de Amarildo Souza. Agora até o jornal The New York Times está cobrindo o caso. Com uma internet comprometida com a liberdade de expressão, denúncias como esta poderão ser feitas em qualquer lugar do globo. E certamente, o mundo será um lugar com mais espaço para o desenvolvimento cultural, educacional e econômico das próximas gerações.